#4 - ninguém pediu pra ser cronicamente online
detox de rede social é coisa de gente rica (ou menos pobre)
ok, confesso, talvez o subtítulo tenha sido um pouco sensacionalista, mas agora que deu curiosidade (seja pra concordar ou não), pode continuar a leitura.
a galera adora romantizar o “detox digital” como se fosse só uma questão de força de vontade. como se qualquer um pudesse acordar um dia e decidir largar tudo pra viver uma vida plena, offline, cercada de passarinhos e do toque revigorante da grama molhada.
mas tenta fazer isso sendo pobre.
e aqui, essa reflexão vai pra dois lados diferentes: o de quem trabalha com internet e precisa encontrar alguma coisa e o de quem usa a internet pra fugir de alguma coisa.
a internet virou trabalho pra uns e anestesia pra outros. muitas vezes, os dois ao mesmo tempo. e aí vem o influencer que mora num sítio, tem a vida resolvida e três fontes de renda dizer que desconectar é libertador. pra quem pode, até deve ser mesmo. mas a maioria de nós não pode.
o detox digital é um luxo que ignora que, enquanto uns estão online porque querem, outros estão porque precisam. seja pra pagar um boleto ou só pra esquecer, por cinco minutos, que a vida fora das telas pode ser infinitamente pior.
vamos refletir sobre o primeiro grupo…
tenta sumir da internet sem ter um fundo de emergência, um imóvel quitado, um fluxo de renda passiva garantindo que você pode existir sem precisar vender sua atenção pro algoritmo.
se eu — publicitária formada, trabalhando com redes sociais — decidir me desconectar só pela aventura, não demora muito pra que cinco esquerdomachos de bigode com a ponta pra cima tomem meu lugar depois de ter feito um cursinho do sebrae sobre produção web.
isso aqui não é uma defesa ao scroll infinito, a você apodrecer seu cérebro com qualquer conteúdo que dê pra colocar no 2x ou qualquer coisa do tipo, mas sim, sobre ser realista, porque é exatamente isso que falta pras pessoas.
a romantização da fuga digital esquece que, pra muita gente, não estar online significa simplesmente não existir. se eu sumo, não tem “tempo pra mim”, não tem jornada espiritual, não tem descoberta interior — tem outra pessoa ocupando meu espaço antes mesmo do algoritmo perceber que eu saí.
e não precisa ser alguém melhor, mais qualificado ou minimamente criativo. o mercado digital não é sobre quem é bom, mas sobre quem aparece primeiro. então, enquanto eu estivesse lá, me reconectando com a terra, respirando fundo no meio do mato e tentando encontrar um sentido maior pra vida, os caras que fazem stories sobre “como acordar às 5h muda sua produtividade” já teriam engolido qualquer rastro meu.
porque a real é que essa ideia de se desconectar só funciona pra quem já tem um nome consolidado, um dinheiro guardado, ou uma base de seguidores fiel o bastante pra esperar sua volta triunfal. quem tá no meio do caminho não pode se dar ao luxo de sumir.
a jout jout conseguiu. sumiu, desapareceu, foi viver a vida e ninguém nunca mais ouviu falar — até esses dias. incrível, né? mas ela pode. ela já tinha feito o pé de meia, já tava em um estágio da vida onde a escolha de estar ou não online era só isso: uma escolha. agora, experimenta ser um freelancer, um pequeno criador de conteúdo, um social media, um escritor independente ou qualquer pessoa cuja renda depende de engajamento.
isso não é um manifesto a favor do burnout, nem ao vício em engajamento. mas fingir que a saída é simples, que basta desligar o wi-fi que o problema some, é ser ingênuo demais. é ignorar que, pra uma boa parte da galera, a internet não é só um passatempo, mas sim um mercado cruel onde quem some perde, e quem permanece sobrevive.
o capitalismo transformou a internet na nova praça pública, só que, ao invés de vender pão ou tecido, a gente vende nossa sanidade mental. você pode até odiar, pode até querer sair, mas vai pagar as contas como? tem boleto aceitando pix de “vida simples e offline”? não tem.
ser cronicamente online não é mais uma escolha, é um estado de sobrevivência. se você some, o algoritmo te esquece. se o algoritmo te esquece, seu público esquece. se o público esquece, sua conta no fim do mês lembra. e aí, o detox digital vira só mais um luxo inacessível, como férias pagas ou terapia semanal.
no fim das contas, ninguém pediu pra ser assim. mas enquanto existir a necessidade de transformar atenção em dinheiro, quem é que realmente pode se dar ao luxo de desconectar?
e quando digo sobre ser realista, é entender que sua realidade é diferente da de outras pessoas. quem trabalha com redes sociais não pode se dar ao luxo de se desconectar; quem trabalha com notícias precisa estar por dentro de tudo; quem tem um podcast sobre cultura pop precisa saber o que os fandoms estão fazendo.
mas e quem usa a internet pra fugir de alguma coisa?
sair dela significa encarar o que você passou anos evitando. o vazio, a solidão, o barulho dos próprios pensamentos. sem o feed pra preencher cada segundo livre, o que sobra? um monte de questões não resolvidas que ninguém quer lidar.
a internet virou o equivalente moderno da TV ligada no fundo pra ninguém se sentir sozinho. só que, agora, é muito pior. porque a TV não falava diretamente com você, não entregava uma dose exata de dopamina personalizada com base nos seus traumas, não criava um ciclo de recompensa infinito onde sempre tem algo novo pra ver, pra rir, pra se distrair.
então, tenta desconectar quando seu cérebro já aprendeu que estar online é a única coisa que evita que ele caia num buraco. quando a timeline virou uma anestesia pra ansiedade. quando a rolagem automática impede que pensamentos incômodos tenham tempo de se formar por completo.
e aí, vem alguém e diz: “é só ter força de vontade”. como se largar a internet fosse só sobre querer. como se não fosse também sobre medo. sobre não saber o que fazer com o silêncio. sobre não estar pronto pra encarar, sem filtros, o que quer que esteja escondido atrás do próximo scroll.
mas, sei lá, é tão mais fácil abrir a timeline do twitter do que o globo.com.
se algo importante aconteceu, alguém já transformou em meme, ironizou ou fez uma thread explicando com ênfase dramática. você não precisa processar a informação do zero, só reagir a ela.
agora, tenta abrir um portal de notícias. tá tudo lá, cru e sem filtro. tragédia, crise, inflação subindo, o dólar mais instável que sua saúde mental. não tem piada pra suavizar. não tem um viral pra distrair. só a realidade bruta, do jeito que ela é.
e quem é que quer encarar isso logo de manhã? melhor saber que o país tá colapsando e logo abaixo saber que o juliano floss mudou o visual. é aquele meme “um pouco de droga, um pouco de salada”.
é melhor se perder em tretas que não vão mudar sua vida. melhor qualquer coisa do que ter que lidar com o peso do mundo sem uma camada de humor ou alienação pra amortecer a queda.
e nem precisa parar pra pensar muito pra ter noção de que a internet é uma maldição e uma benção. o bom é que ela permite que a gente se conecte com qualquer pessoa no mundo; o ruim é que qualquer pessoa no mundo pode irritar a gente.
mas ela é muito maior do que qualquer vontade de se desconectar, desculpa, mas é a verdade. você pode ter sua força de vontade aí, fazer um retiro zen, apagar o instagram do seu celular, mas tudo já foi adaptado a isso.
o google mesmo agora tem uma aba de vídeos curtos pra você encontrar qualquer assunto. ótimo pra quem trabalha com seo, péssimo pra quem tem dependência emocional de vídeos curtos e vai viver em um constante contato com esse gatilho na cara.
de novo, isso aqui não é um movimento a favor do apodrecimento de cérebros, mas sim, uma reflexão sobre você não ser esse monstro todo só porque não conseguiu passar 3 meses longe do tiktok e olha como isso mudou minha vida.
aqui vai um texto da
sobre o assunto:é claro que é fácil ter JOLO1 (o primo do FOMO2 que faz medicina e toda família sempre usa de exemplo de sucesso) quando você mora em uma cidade com lugares pra visitar, quando você tem amigos pra sair, quando tem dinheiro pra comprar 10 caderninhos e 72 canetinhas pra colorir ursinhos.
você pode, sim, ter uma relação mais saudável com o seu celular e com o consumo desses conteúdos sem precisar ser tão radical. ler 3 capítulos de um livro em vez de passar 3 horas no tiktok; fazer uma caminhada em vez de scrollar o instagram em busca de algo que você não sabe o que é; cozinhar em vez de saber qual foi a próxima idiotice que a virgínia fez. mas ninguém disse que é fácil. quer dizer, na verdade, todo mundo diz que é fácil.
você poderia estar fazendo qualquer outra coisa além de ler esse texto, mas tá aqui até agora, então acho que já pode ser considerada uma vitória.
sair excluindo tudo, jogar o celular fora ou pedir pra ser trancado em um porão sem internet não vai fazer você melhorar. é tipo a história de cortar açúcar pra quem ama doce: pode funcionar nos 3 primeiros dias, mas depois você volta parecendo o neymar se ficar alguns dias sem trair.
toda mudança acontece de forma gradativa e tem que acontecer porque você quer, não porque uma blogueira disse que ficou 1 mês sem redes sociais e conseguiu construir uma casa inteira no braço.
OFF TOPIC: preciso de opinião (mesmo sabendo que (talvez) vou fazer mesmo assim)
eu sou do time que usa a internet pra trabalhar, porque escolhi duas profissões que precisam dela: publicidade e escrita. e, não bastando isso, agora também quero ser substacker premium. te pergunto: você me daria seus míseros 5 reais (ou mais) que estão reservados pra comprar o pastel que vai ser sua única refeição do dia pra assinar essa news com pensamentos e assuntos que ninguém pediu?
obs.: eu tenho 2 gatos, pensa que esse dinheiro é pra comprar o sachê deles e não pra mim. a não ser que você não goste de animais, mas se esse for o caso, eu nem quero seu dinheiro, obrigada.
outro texto sobre o assunto:
joy of logging off, literalmente traduzido pra “alegria de se desconectar”.
fear of missing out, literalmente traduzido pra “medo de perder alguma coisa”.
A parte sobre quem trabalha na internet é dolorosamente real. Quem depende de engajamento, seja freelancer ou criador de conteúdo, não pode se dar ao luxo de sumir. O mercado digital engole rápido quem para, e o algoritmo não perdoa. A comparação com a Jout Jout foi certeira: ela sumiu porque podia, mas a maioria não tem essa opção. A questão de usar a internet como anestesia também foi um soco no estômago. É fácil falar em "desconectar" quando você tem estrutura emocional e financeira para lidar com o vazio. Mas pra muita gente, a internet é a única distração do peso da realidade. E sim, é muito mais fácil rir de um meme do que encarar um portal de notícias recheado de tragédias.
vc foi extremamente necessária, esse texto foi um soco e um abraço ao mesmo tempo